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Alma em Lisboa
Nós chegamos a Barcelona, uma cidade devastada pela
guerra, morta de fome, empobrecida, que um dia fora linda
de certo. À tarde Werfel e eu sentamo-nos num café
e pobres crianças lambiam dos nossos pratos o que restava
de um gelado derretido. Nós pagamos com selos velhos
e esfarrapados. Tudo estava desmoronado e desolado, mas nós
começamos a poder respirar com calma após dois
dias. Esperávamos um avião que nos ia levar
até Lisboa. Mas os lugares que nos eram destinados
passaram para outras pessoas, os Heirich Manns, que corriam
mais perigo que nós. E nós, acompanhados pelo
Golo Mann e Mr. Fry, viajamos durante quinze horas de comboio
até Madrid. Éramos oito num compartimento.
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De Madrid, eu e o Werfel viajamos até Lisboa. Era
fim da tarde quando aterramos num aeroporto recente, ainda
por acabar e sem luzes. Como em todo o lado nós fomos
retidos durante quatro horas. O inspector de passaportes examinou
cuidadosamente a lista de trabalhos de Werfel, que tinha sido
anexada à carta de recomendação escrita
pelo duque de Württemberg, um clérigo da mais
alta conta. Quando o inspector chegou ao título "Paulo
Entre os Judeus" ficou perplexo. "Estou a ver você
tem descendência judaica?" Werfel não respondeu
nem que sim nem que não, ele limitou-se a apontar para
mim. O inspector olhou com ar suspeito mostrando que era obvio
que Werfel tinha descendência judaica. Depois ele deu-nos
o carimbo que significava a nossa admissão em Portugal.
Eu nunca me vou esquecer daqueles primeiros dias de paz paradisíaca
num país igualmente paradisíaco, depois de termos
passado por verdadeiros tormentos nos meses anteriores.
(Alma Mahler-Werfel: "A Minha Vida")
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