Alma LisboaAlma's LifePress CornerInfohome
 
 
Contactos
 
Datas das atuações
Bilheteira
Local/espaço de representação
 
Elenco e equipa de produção
 
Packages
 
Alma em Lisboa
  Refugiados
  Sousa Mendes
 
Banda sonora
 

Portugal, terra de trânsito

Depois da ocupação de Paris, em Junho de 1940, uma enorme torrente de refugiados chegou a Portugal, um país virado para o Atlântico que se tornara o único porto neutral com ligações marítimas para o Ultramar. Mas, antes de obterem bilhetes de passagem num navio ou num avião, a principal preocupação dos refugiados era arranjar um visto de trânsito português, que podia representar a vida em vez da morte anunciada.

Até chegarem a Portugal, os fugidos à guerra e ao nazismo necessitavam de um visto de saída da Alemanha ou dos países ocupados, de um visto de entrada na "zona livre” francesa, de um visto de trânsito espanhol e de outro português do qual dependia a concessão dos anteriores. Este só era, por seu turno, dado em função da prévia obtenção de um visto de entrada num país de destino e de uma passagem num navio.

Como noutros países, a política portuguesa de fronteiras tornou-se tanto mais restritiva quanto maior era o afluxo de pessoas que necessitavam de salvar a vida através de Portugal. À preocupação inicial em restringir o número dos que entravam no país e a concorrência estrangeira em certos sectores diferenciados do mercado de trabalho, sucedeu a tentativa de conter a enorme vaga de entradas e de impedir que Portugal fosse um país de exílio definitivo. Como se viu, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português (M.N.E.) preocupou-se, em 1936, depois do início da guerra civil espanhola, em impedir a entrada do país a espanhóis "vermelhos” e a russos e em restringir aos apátridas, polacos e portadores de passaportes Nansen a estadia em Portugal.

Mas, a partir de 1938, com o início da legislação anti-semita na Alemanha, o impedimento do exercício de certas profissões a judeus, a sua expulsão da vida económica, a fiscalização da propriedade judaica e a Kristallnacht impeliram muitos judeus alemães a saírem do seu país. O próprio governo nacional-socialista incentivou, até Outubro de 1941, a saída "legal” dos que considerava estarem fora da "Volksgemeinschaft”, obrigando os judeus a um "imposto de fuga”, proibindo-lhes a transferência da maior parte dos seus bens e atribuindo-lhes, ainda antes da aposição do "J” nos passaportes dos judeus, passaportes "especiais”.

Esses "vistos de saída” , que só eram válidos para o estrangeiro e tinham um prazo inferior ao normal e a indicação de que o portador era emigrante, impediam o regresso dos seus portadores à Alemanha. Por isso, o ministro de Portugal em Berlim, Veiga Simões, ao mesmo tempo que relatava as barbaridades cometidas contra os judeus e informava sobre o perigo que corriam alguns cônsules honorários de Portugal na Alemanha , alertou porém o M.N.E. para o perigo da emigração massiva de judeus alemães e sugeriu que esses passaportes "especiais” fossem sujeitos a vistos.

Aos judeus e anti-nazis alemães que começaram a demandar outros países europeus, em 1938, juntar-se-iam judeus da Áustria, da Checoslováquia e da Itália, quando a legislação anti-semita se espalhou a esses países, depois do Anschluss e da invasão dos Sudetas. De Roma, os ministros portugueses no Quirinal e no Vaticano deram conta das novas leis contra os judeus promulgadas por Mussolini na Itália e também alertaram para o perigo que poderia representar para Portugal uma entrada maciça de refugiados judeus. Por seu turno, o ministro português em Viena informou, em Junho, o Ministério de que recusara visar os passaportes de polacos que a Alemanha queria, através da privação de meios de subsistência, expulsar da Áustria e que a Polónia, que ameaçava retirar-lhes a nacionalidade, não deixava regressar.

Depois da conferência de Evian - na qual Portugal não participou -, convocada por Roosevelt em Junho desse ano para "resolver” o problema da "inundação” de emigrantes em alguns países europeus, começaram a ser introduzidas nas legislações desses países limitações à entrada e à estadia de judeus alemães, austríacos, italianos e polacos. Foi o caso da Suíça e da Suécia que instituiu, em 12 de Setembro, uma norma para impedir de entrar e expulsar os estrangeiros sem vistos que não pudessem regressar aos "seus países por motivos políticos ou em virtude das leis de raça”. Como muito bem viu o ministro português em Stockholm, essa disposição legal visava sobretudo "os alemães e italianos, especialmente de raça judaica”.

Inspirando-se nessa lei, o governo português tinha porém de resolver previamente um problema legal: a existência, desde final dos anos vinte, de um acordo de dispensa de vistos com vários países, entre os quais a Alemanha, a Áustria e a Itália, que permitia assim aos respectivos nacionais o acesso livre a Portugal . Ora, para eliminar essa questão sem revogar esse acordo - o que só aconteceu quando a guerra começou -, o Ministério dos Estrangeiros português enviou, em 28 de Outubro de 1938, a vários consulados na Europa a circular 10, segundo a qual os "emigrantes judeus” passavam a necessitar de vistos "de turismo”, com a validade de trinta dias, para entrar em Portugal.

Essa ordem abrangia assim pela primeira vez um vasto grupo específico de candidatos à entrada no país que se tornara visível a partir do momento em que a Alemanha apôs a letra "J” nos passaportes dos judeus, uma ideia aliás sugerida ao governo alemão por governos de países a braços com uma numerosa emigração, nomeadamente da Suíça. O "J” nos passaportes passou assim a clarificar quem eram os indesejáveis de regresso à Alemanha: precisamente os judeus, aqueles "emigrantes” para os quais se tornava necessário aplicar, em Portugal, "as medidas de restrição e escolha que o visto permite efectuar”, como justificou Veiga Simões.

Segundo esclareceu este diplomata, mesmo os "arianos” que desaprovavam as "delícias do Terceiro Reich” não emigravam e, por isso, não havia necessidade de suprimir os acordos de isenção de vistos a não ser que o governo alemão tentasse incentivar ainda mais a emigração retirando a menção "J” nos passaportes. Assim se vê como até Veiga Simões, um crítico do anti-semitismo nazi, era defensor dessa medida discriminatória mesmo que tivesse o cuidado ou o falso pudor de nunca mencionar a letra especificamente atribuída aos judeus e, ao invés, se referisse a passaportes alemães com "carimbo, marca ou indicação não habituais”.

Era a palavra "emigrante”, que qualificava aquele que estava impossibilitado de regressar ao país de origem, e não a palavra "judeu” que assustava as autoridades portuguesas. Mas, embora se possa dizer que não foi o anti-semitismo que moveu o governo português, mas sim o perigo de uma emigração massiva para o país, o certo é que as duas palavras se tornaram, nesse período, sinónimas e que o resultado objectivo da política portuguesa de fronteiras pareceu e tornou-se realmente anti-semita.

Houve, no entanto, divergências entre, por um lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a PVDE e, por outro lado, alguns diplomatas portugueses. O próprio Veiga Simões mostrou-se crítico em relação á curta validade dos vistos de turismo que teria origem, segundo ele, na insensibilidade e ignorância existentes em Portugal relativamente à terrível situação dos judeus na Alemanha. Estes eram vítimas de uma tal "falta de humanidade e uma rudeza” especificamente "germânicas”, que não seriam demovidos de emigrar por só poderem permanecer trinta dias em Portugal.

Para evitar uma invasão torrencial de emigrantes, o governo português só teria assim duas alternativas: ou recusava a entrada de todos, o que infringia os "deveres de solidariedade e de humanidade”, ou, como defendia Veiga Simões, analisava cada caso individualmente e escolhia, independentemente do prazo de permanência em Portugal, aqueles a quem daria o visto. Caberiam neste último grupo, os portadores de passaporte "J” com familiares estabelecidos em Portugal, meios de subsistência e possibilidade de emigração ulterior assim como pessoas de "idoneidade moral” e alta categoria científica e técnica, cuja profissão não concorresse com a dos portugueses.

Entre estes, para os quais propôs, em Janeiro de 1939, vistos de residência e de trânsito, contaram-se Edmund Werner, um médico que queria instalar uma clínica no Funchal, Franziska Elisabeth Deutsch, a viúva do ex-presidente da A.E.G., e Hermann Strauss, "uma das maiores notabilidades mundiais da clínica médica” . Em 8 de Abril, solicitou a autorização para visar os passaportes da viúva do ex-consul em München , dos cônsules honorários de Portugal em Nuremberg e Frankfurt e de Gustav Brecher, um checo genro de Mme. Deutsch. Quando o Ministério recusou o visto para este último, Veiga Simões lembrou que os cidadãos checos não necessitavam de visar o passaporte.

Essa atitude contradizia, porém, a posição que tinham tomado anteriormente ao chamar a atenção do M.N.E. para o facto de os judeus dos Sudetas ainda não terem passaporte alemão - e, por isso, sem o "J” - e não se tornarem "suspeitos de emigrantes”, embora muitos o viessem a ser. Crítico em relação ao anti-semitismo alemão mas preocupado com uma possível torrente emigratória de judeus, Veiga Simões moveu-se com tacto para não hostilizar demasiado a PVDE, para não alienar as boas graças do Ministério e para obter alguns vistos. Estes deviam ser concedidos a pessoas suas conhecidas ou cujo renome ou riqueza serviam de critério, segundo ele, à sua entrada em Portugal.

A "guerra” entre a PVDE e Veiga Simões com o M.N.E. de permeio foi quase incessante. Em 24 de Março de 1939, o ministro em Berlim queixou-se de que uma companhia de navegação alemã recusara vender passagens a judeus munidos de todos os vistos, depois da polícia avisar que não os deixaria desembarcar em Portugal. Não só corriam o risco de serem enviados para o campo de concentração se não partissem de imediato como a atitude da PVDE era, segundo Veiga Simões, atentatória ao prestígio da autoridade portuguesa na Alemanha onde já constava que a polícia portuguesa regulava seu critério pelas informações da polícia secreta alemã. Segundo ele, a GESTAPO aconselhava a PVDE a ao admitir no país judeus despojados dos seus haveres, não só para continuar a explorar os que ainda tinham posses, mas também para provocar em Portugal uma campanha anti-semita "alimentada na concorrência e possíveis deslizes morais de emigrantes desprovidos de recursos”.

O ministro em Berlim tinha de facto um adversário e os judeus um inimigo no inspector da PVDE, Paulo Cumano, que criticou Veiga Simões por tecer comentários "de ordem humanitária” e ironizar contra "`as delícias do III Reich´” , por conceder vistos sem prévia consulta à Polícia e por ter permitido aos consulados de Viena e de Hamburgo a concessão de vistos a judeus alemães . O inspector da PVDE propôs também que fosse negociada a obrigatoriedade de vistos com a Alemanha, a Itália e Hungria, que a entrada de judeus desses países e polacos passasse pelo crivo da autorização prévia da PVDE e que só tivessem direito a visto as pessoas com mais de 60 anos e com filhos residentes no país.

A opinião, segundo a qual Portugal não devia ser encarado como "país de refúgio” pois isso originaria a entrada de extremistas e de judeus, "por norma, moral e politicamente indesejáveis” , não era porém exclusiva do germanófilo Paulo Cumano. Também era partilhada pelo director da PVDE, Agostinho Lourenço, considerado um anglófilo que considerava os judeus como "aventureiros internacionais” ou "espiões ao serviço da Alemanha”. Em 24 de Outubro de 1939, este enviou uma carta confidencial ao M.N.E. onde solicitava a sua colaboração para o endurecimento da política restritiva de vistos.

Segundo ele, os consulados portugueses não cumpriam a regra de consultar previamente a PVDE antes de visarem os passaportes de judeus e estes, uma vez chegados a Portugal, aí permaneciam pois que os consulados dos países a que pertenciam não se responsabilizavam pela sua manutenção e repatriamento. Por outro lado, também se tornava impossível expulsá-los porque nem a Espanha nem a França os aceitava de volta, razão pela qual propunha que os vistos só fossem concedidos aos judeus de nacionalidade "indefinida, contestada ou em litígio” depois de autorizados pelo M.N.E. após consulta prévia à polícia. Quanto aos que não possuíssem recursos financeiros para a estadia, não pudessem voltar aos seus países e invocassem o embarque para a América sem mostrarem garantia para o fazer nem visto de entrada num país de destino, os vistos deviam ser recusados.

Salazar concordou com a proposta da PVDE porque, em Novembro de 1939, o M.N.E. enviou às suas repartições diplomáticas a circular 14 que atribuía exclusivamente a concessão de vistos aos diplomatas de carreira, uma norma que visava impedir aos cônsules honorários na Alemanha, todos alemães, a decisão sobre a sorte dos seus compatriotas . A circular 14 obrigava porém os diplomatas a consultar a PVDE e o Ministério, antes de visarem os passaportes de heimatlosen e de russos; dos estrangeiros cujo passaporte os impedisse de voltar para o local de origem; dos judeus expulsos de países da sua nacionalidade e de pessoas sem visto consular dos países de destino e sem garantia de embarque marítimo ou aéreo.

Os protestos contra os poderes crescentes da PVDE e os atropelamentos das funções consulares não se fizeram esperar da parte de diversas representações diplomáticas portuguesas. Em 31 de Dezembro, Veiga Simões queixou-se ao Ministério que a PVDE concedia a maioria das autorizações de vistos de forma arbitrária e justificou o critério utilizado pela Legação que visava privilegiar um "turismo bem mais interessante para a nossa economia do que o da «KdF»”.
Em 9 de Janeiro de 1940 , o impedimento de desembarque em Portugal de três alemães residentes na Holanda, entre os quais uma judia, motivou uma justificação do cônsul-geral de Rotterdam, José Lima Santos, que lembrou não haver nenhuma norma impeditiva em relação a passaportes "normais” de cidadãos alemães - presume-se que sem o "J”. Embora reconhecesse que a PVDE tinha de zelar pela segurança do Estado e que as autoridades alemães omitiam, por vezes, informações para esconder a impossibilidade de regresso à Alemanha dos "indesejáveis de que querem desembaraçar-se”, lamentou a diferença de critérios entre a PVDE e os consulados.

Tornou-se porém evidente que o Ministério dos Estrangeiros, cuja pasta era detida pelo próprio Salazar, seguiu cada vez mais a atitude de endurecimento de restrições da polícia e se virou frequentemente contra os diplomatas, seus subordinados. Em 12 de Abril de 1940, o ministro em Roma teve de ouvir do Ministério que este "não delegava em nenhuma delegação diplomática portuguesa a faculdade de conceder passaportes fora das normas estabelecidas” e que, por isso, não reconhecia a validade da autorização para conceder vistos dada a um consulado pela Legação em Roma. Tratou-se provavelmente do cônsul de Milão, Agenor Magno, porque, em Setembro, a PVDE queixou-se de que ele tinha dado vistos recusados pelo M.N.E., razão pela qual seria pouco depois demitido por Salazar.

Alguns cônsules omitiam o facto de o candidato a um visto ser judeu como aconteceu com o cônsul em Antuérpia, F. Coelho de Sousa, criticado pelo Ministério por não ter divulgado desde o início que o passaporte de Zacharias Ledensber estrava marcado com a letra "J” . Em Maio de 1940, o M.N.E. terá perguntado ao consulado de Florença se dois suíços eram judeus porque este respondeu que, segundo a lei suíça, os seus passaportes não indicavam a "raça” e que o consulado suíço emitira uma declaração segundo a qual eram baptizados pelos "rito cristão”.

Em 15 de Junho, no dia seguinte à ocupação de Paris pelos alemães, os diplomatas receberam uma nova directiva , segundo a qual, os vistos de trânsito por trinta dias só podiam, a partir de então, ser concedidos aos refugiados com bilhetes de passagem, tempo planeado de estadia em Portugal e com o visto de entrada num país de destino. Um despacho telegráfico de 16 de Dezembro de 1940 piorou de novo a situação ao fazer depender a concessão de todos os vistos de trânsito da autorização da PVDE , um endurecimento provavelmente decorrente da acção de Aristides Sousa Mendes em Junho de 1940.

Tranquilidade paradisíaca num país paradisíaco
Ein "wunderbares Land”, eine "bunte, südliche und friedliche Welt” , foi como Alfred Döblin, descreveu Portugal, em 1940. Para quem vinha de uma Europa em guerra, na penúria e obscurecida pelo "black out”, onde ao medo das bombas se juntava o da perseguição por motivos políticos ou rácicos, era natural que a capital portuguesa, com as suas ruas iluminadas e as lojas cheias, surgisse como um "paraíso”. Quando Döblin saiu do comboio na capital, já tinha ouvido milhares de (Gerüchten) segundo as quais a polícia não deixaria entrar os refugiados em Lisboa e os enviaria para (Lager) na província. No entanto, saiu livremente da estação depois de ninguém lhe ter solicitado para apresentar o passaporte.

No mesmo ano da fuga de todos os intelectuais em perigo, chegaram também a Portugal, munidos de passaportes checos emitidos pelo American Foreign Office em Marseille, Franz Werfel e a esposa Alma Mahler-Werfel, Golo Mann, Heinrich e Nelly Mann, estes últimos com passaportes dinamarqueses em nome de Ludwig. Ficaram alojados no "Hotel Itália do Estoril”, entre Julho e Outubro de 1940 , enquanto aguardaram o navio para os Estados Unidos da América.
Alma Mahler-Werfel sentiu em Lisboa uma "tranquilidade paradisíaca” à qual já não estava habituada desde que escapara da Alemanha. Nas suas memórias de exílio, Heinrich Mann não se esqueceu de mencionar a grande "Exposição do Mundo Português” com a qual o Estado Novo, de costas voltadas para uma Europa em guerra, celebrava "orgulhosamente” o seu passado imperial. Ao aterrar em Lisboa vindo num avião da Lufthansa de Madrid, o seu primeiro encontro com Portugal foi marcado pelo alívio quando um polícia pouco zeloso se absteve de insistir para que mostrasse o seu passaporte falso: "Am Flughafen Lissabon hatten wir gründe, unser Papier zu verheimlichen. (...) Wir kamen durch. Vielleicht, dass unser naive Unkenntnis uns vertrauens würdig machte. Wer es wagt, papierlos aufzutreten, könnte zum schluss das beste haben? Oder war der Herr von geradezu entsetslichem Scharfsinn, durchschaute die dichte Materie eines vorgeschützten Koffers und gefiel sich als unsere Vorsehung? Auch ist zu bedenken, dass er endlich schlafen wollte (...). so entliess er uns nach der Stadt, mit dem Versprechen, morgen unsere Papiere bei der Polizei vorzuweisen (...) Wir haven uns nie gemeldet.”.

Ao chegar de Londres no mesmo mês de Julho de 1940, Erika Mann sentiu, pelo contrário, uma infelicidade que a atmosfera pacífica e a claridade "do único porto livre e neutral da Europa” ("der einzigen freie und neutrale Hafen in Europa”) não atenuou. Nos refugiados com quem se cruzou na capital portuguesa, lamentou a atitude passiva de espera da catástrofe anunciada, tão diferente da postura activa dos londrinos que, apesar das bombas, lutavam contra um inimigo visível: "Fühlte ich mich in der abendlichen Helligkeit Lissabons wohler als in der Dunkelheit Londons? (...) Und die, die mit mir hier sassen, die Flüchtlinge (...) waren sie `glücklich´, ging es ihnen `besser´ als den Menschen in den bombardierten Städten Englands? Sie waren nicht glücklich un es ging ihnen nicht besser. Den schlimmer als die Katastrophe selbst ist die Angst von der drohenden Katastrophe, der man hilflos ausgeliefert ist. (...) In London war ich glücklich gewesen. Aber hier war ich unglücklich .”

Em Janeiro de 1941, também munida de um "danger visa” americano, chegou a Lisboa Hannah Arendt, depois de ter sido obrigada a fugir de França onde se vira confrontada com a terrível "escolha” que era colocada aos judeus e opositores políticos alemães: "serem presos pelos inimigos em campos de concentração ou pelos amigos em campos de internamento”. Dos três meses da sua estadia na capital portuguesa, só se conhece, porém, uma breve referência à leitura conjunta, com seu companheiro Heinrich Blücher e outros refugiados, do manuscrito «Uber den Begriff der Geschichte» que Walter Benjamin lhe entregara em Marseille.

Outros intelectuais passaram incógnita e rapidamente por Lisboa. Entre eles, contaram-se Anna Freud, os compositores Bela Bartok e Darius Milhaud, os pintores Marc Chagall e Max Ernst e muitos escritores que não deixaram porém nas suas obras quaisquer impressões sobre a sua curta permanência em Portugal: H.G.Wells, Jean Giraudoux, Jules Romain, Maurice Maeterlinck, Joseph Kessel, André Maurois, Arthur Koestler , George Bernhardt, Leonhardt Frank, Walter Mehring, Franz Blei e Emil Ludwig. Só Hans Sahl , Leon Feuchtwanger e Friedrich Torberg referiram, em breves descrições, a passagem pelo último cais europeu.

A estância balnear do Estoril foi mencionada em cartas enviadas a Joseph Roth e a Sigmund Freud por Stefan Zweig que, no início de 1938, interrompeu brevemente o seu exílio londrino, para passar, um "intermezzo meridional” naquele "local tranquilo da Riviera” portuguesa . Antes de partir para New York no navio americano Siboney, juntamente com o cineasta Jean Renoir, também Antoine de Saint-Exupéry se alojou, em Dezembro de 1940, no Hotel Atlântico do Estoril. Perante a sofreguidão com que os refugiados mais ricos gastavam na roleta fortunas "esvaziadas de significado” e "moedas talvez caducadas”, o autor do Petit Prince sentiu uma angústia igual à "que nos invade no jardim zoológico perante os sobreviventes duma espécie em extinção”:

Houve, no entanto, também alguns autores que, apesar de Portugal não ter sido uma etapa do seu caminho para o exílio, mencionaram nas suas obras o país e os portugueses, relacionando-os sempre com o desespero dos refugiados na sua procura de vistos e de meios de transporte. Foi o caso de Anna Seghers que, no romance «Transit» cuja acção se desenrola em Marseille, criou, entre as personagens, um negociante de vistos de nacionalidade portuguesa. Também Erich Maria Remarque, no seu romance passado durante «Uma Noite em Lisboa», descreveu o drama de um refugiado que, trocando duas passagens marítimas por uma conversa com outro companheiro de infortúnio, fazia o luto da sua esposa recém-falecida e antecipava a sua própria chegada ao fim da vida.

Os jornais portugueses quase silenciaram a presença dos anónimos "refugiados de guerra” e preferiam evidentemente realçar os "visitantes ilustres” que chegavam a Lisboa, "ponto terminal da Europa para as carreiras aéreas da América”, como se lia num entusiasmado artigo do "Diário Notícias” de Novembro de 1939. No balanço cinéfilo do ano de 1940, o mesmo jornal concluía, triunfalista, que a capital portuguesa era então uma "escala obrigatória de vedetas” e tinha-se transformado na "sede cinematográfica da Europa”.

A partir do final de 1939, chegaram, de facto, perante o deslumbramento dos lisboetas e dos fotógrafos, ex-governantes dos países ocupados, entre os quais os ex-presidentes da Polónia e da Lituânia, o pianista Paderewski e Smetana , e ex-ministros da Grécia, Jugoslávia, Bélgica e da França. Aristocratas e ex-monarcas expulsos pela ocupação alemã dos seus países passaram pelos hotéis do Estoril a caminho de exílios dourados. Foi o caso, entre Março e Outubro de 1940, da princesa Margarida da Dinamarca, dos príncipes regentes da Jugoslávia, dos condes de Paris, de Otto de Habsburg, do conde de Bernadotte da Bélgica e da Grã-Duqueza do Luxemburgo, os últimos três com vistos de trânsito dados pelo consul em Bordeaux, Aristides de Sousa Mendes.

Entre Junho e Outubro do mesmo ano, os duques de Windsor também permaneceram em Portugal, na casa do Estoril do banqueiro português pro-nazi Espírito Santo. Foi através dos préstimos deste que os serviços secretos alemães planearam, sem sucesso, utilizar a germanofilia dos Windsor para os levar para a Alemanha, com a promessa de que seriam os monarcas de uma Inglaterra subjugada ao nazismo. Outro caso particularmente sensível foi o da fuga para Portugal de Espanha do ex-rei Carol da Roménia , que o ditador Antonescu queria enviar para um país ocupado onde ficaria prisioneiro dos alemães.

Encontrava-se, em regime de liberdade vigiada, em Sevilha para onde tinha ido, depois da sua abdicação, com grande parte do tesouro romeno mas, com a ajuda dos governos aliados e do embaixador da Roménia em Portugal e a passividade da Seguridad espanhola, acabou por atravessar a fronteira portuguesa. Na sua fuga, contou com o auxílio do capitão Mário de Carvalho Nunes, ajudante de campo do Presidente da República português, de Zdzislaw Zorawski, um polaco da Intelligence Service, do inglês Carlos Reynolds que o alojou junto à fronteira e de Augusto Joly que o transportou para Lisboa. Esteve alojado no luxuoso hotel "Aviz” de Lisboa até partir, em 25 de Novembro de 1944, para Cuba e para o Brasil de onde regressou, em 1947, a Portugal, onde faleceu seis anos depois.

Entre as personalidades ilustres que mais entusiasmaram os portugueses, contaram-se os actores que até aí só tinham sido vistos nas telas do cinema e que levariam um jornalista português a intitular o seu livro, «Hollywood em Lisboa» . Nem sempre como refugiados mas fugidos da Europa em guerra a caminho de Londres ou dos EUA, passaram por Lisboa, os actores Tyrone Power, Erich von Stroheim, Jan Kepura, Robert Montgomery e os realizadores King Vidor e Alexander Korda.

Leslie Howard, que colaborou no esforço de guerra dos aliados, partiu de Portugal, em Abril de 1943, para a sua derradeira viagem num avião que foi bombardeado pelos alemães, convencidos, segundo consta, que aí viajaria Winston Churchill. Outros aproveitaram a neutralidade de Portugal para publicitarem os seus filmes em tempo de guerra, como foi o caso do casal Lawrence Oliver e Vivien Leigh que assistiram à estreia do filme "Rebecca”, em Março de 1941.

Depois da ocupação de Paris, foi a vez dos artistas, actores e cineastas franceses chegarem a Portugal. Entre eles, Mistinguett, Josephine Baker, Charles Boyer, Simone Simon, Michèle Morgan, Maurice Chevalier, Madeleine Carrol, Jean Gabin, René Clair e Jean Renoir aguardaram na capital portuguesa o avião para Hollywood. Em Junho de 1940, a artista Mary Glory descreveu Lisboa como "a porta de um mundo que julgava ter desaparecido” onde, na principal avenida, só se viam "automóveis de países onde o black-out se tornara uma banalidade”. Tal como anteriormente Josephine Baker, também Mary Glory cantou num espectáculo em Lisboa, mas foram casos excepcionais.

Assim como estava vedado a todos os refugiados trabalhar em Portugal, também os actores e artistas estrangeiros estavam impedidos de actuar, embora alguns tenham participado em espectáculos de solidariedade. Quando um ciclone desabou sobre Lisboa, em Fevereiro de 1941, alguns deles participaram numa festa de beneficência para com as vítimas portuguesas. No mesmo ano, outros artistas estrangeiros actuaram em espectáculos a favor dos refugiados, organizados pelo jornal O Século e por uma comissão de senhoras portuguesas e estrangeiras, onde ficou célebre a canção "Obrigado Portugal”.

> top        > back        > forward