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Férias contra a vontade

Quando, em Junho de 1940, o chefe da PVDE, Agostinho Lourenço se dirigiu à fronteira de Vila Formoso para escoar a torrente de refugiados que aí se amontoavam e que as autoridades espanholas recusaram receber de volta, teve a ideia de desviar muitos deles para zonas balneárias e termais onde havia hotéis e pensões. Foi assim que, enquanto alguns refugiados começaram por ficar pelos arredores de Vilar Formoso, na Guarda, Viseu e Celorico da Beira, ou foram depois enviados para os cidades nortenhas do Porto e Braga, a maioria foi directamente colocada em locais turísticos.

Nos arredores de Lisboa, os sítios escolhidos foram a Costa da Caparica, Setúbal, Estoril, Cascais e Sintra e, no centro do país, os refugiados foram colocados na cidade de Coimbra, nas zonas termais das Caldas da Rainha, do Buçaco, do Luso e da Curia e nas praias da Foz do Arelho e da Figueira da Foz. Ao ser enviado para estância balnear, Eugen Tillinger temeu inicialmente ser internado num campo igual aos franceses e espanhóis, mas o medo desfez-se perante a visão daquele local cosmopolita e turístico onde europeus de todas as origens sociais eram bem recebidos: "Danken, danken von ganzem Herzen aber muss man den Portugiesen. Ihre Anteilnahme an unserem Schicksal übersteigt alle Granzen. Sie ist von einer rührenden Güte und Liebe. (...) Als wir ankamen, hatte die Gemeinde von Figueira alle Französisch sprechenden Männer des Ortes auf den Bahnhof dirigiert, um uns gleich beim Aussteigen an die Hand zu gehen (...). Uberall wurden die «refugiados de guerra» phantastisch aufgenommen. Das Kino gab am Nachmittag den Refugees freien Eintritt; im Turismo- Bureau wurden Mädchen angestellt die perfekt Französich und Englisch sprechen (...; die Speisekarten in den Restaurants wurden zweisprachig abefasst; Die Gemeindeverwaltung verbot energisch den Hoteliers und Kaufleuten uns höhere Preise zu rechnen.”

O tratamento reservado à maioria dos refugiados diferiu assim do francês e do espanhol: não houve, em Portugal, "campos de internamento”. Nas "residências fixas”, criadas a partir de 1942, apesar de lhes serem retirados os passaportes, de receberem uma carta de "refugiado” e lhes ser coarctada a liberdade de deslocação para o exterior sem autorização da PVDE, os refugiados viveram em boas condições. Segundo um relatório para Berlim de Schroeder, agente secreto da SD, a PVDE fixava residência nas Caldas da Rainha e na Ericeira aos "refugiados políticos e sociais” que eram aí auxiliados pelo Unitarian Service Commmitee e o Jewish Helping Office. Além destes, foram sobretudo enviados para esses locais os clandestinos que tinham sido apanhados e todos aqueles que não conseguiam partir por falta de transporte ou de um visto de entrada num país de exílio.

Na Ericeira, que foi um dos locais de "residência fixa”, um dos seus habitantes descreveu como, no dia 2 de Janeiro de 1942, chegou, "sob vigilância da Polícia Internacional”, àquela vila "um grupo de estrangeiros, franceses, polacos, belgas e holandeses, na sua maioria judeus, refugiados em Portugal”. Eram cerca de 80 pessoas de um total de 2.500 que se dizia virem para essa pequena vila de pescadores onde os novos hábitos provocaram grande impacto entre a população. Instalaram-se em pensões e quartos alugados e, apesar de não se poderem deslocar para fora da povoação sem autorização da polícia, circulavam livremente no seu interior, praticavam o culto numa sinagoga improvisada e torneavam a proibição de trabalho numa pequena colónia rural.

A diferenciação económica entre os refugiados que, apesar das dificuldades, recebiam um apoio monetário diário do Joint e dos Unitarian e, por outro lado, a população que passava fome, foi bastante sentida na Ericeira mas nunca a hospitalidade local deixou de ser evidenciada pelos refugiados. Longe de representarem um número anónimo, perduraram, na memória dos habitantes com um rosto e um nome. Embora as duas comunidades nunca se tivessem fundido e as diferenças culturais entre elas fossem enormes, aqueles aparentes "turistas”, através dos relatos do passado feliz interrompido pela guerra, dos dramas pessoais e das fugas precipitadas, revelaram aos portugueses isolados outros valores e outras realidades. Na Ericeira, o período de 1942 a 1945 transformou os seus habitantes mas também tornou possível a frase de uma refugiada que lá diz ter passado "um dos melhores anos” da sua vida.

"Lisboa esgotada”
Segundo Augusto d´Esaguy , da Comassis, depois da invasão da França em Junho de 1940, o número de refugiados em Portugal aumentou para 10.000 de uma noite para a outra e, numa única semana, juntaram-se cerca de 18.000 pessoas na fronteira portuguesa. Nos trágicos dias de 24, 25 e 26 de Junho, milhares de telegramas a pedir assistência e uma intervenção junto das autoridades portuguesas irromperam pelo comité que, depois de longas conversações, conseguiu que a fronteira fosse reaberta. O Joint calculou, por seu turno, que havia 12.000 refugiados em Lisboa, no final de Agosto, e que, entre Junho de 1940 e Maio e 1941, tinham passado por Portugal cerca de 40.000 pessoas , um número que se aproxima dos 42.000 refugiados apoiadas, nesse período, pela Comassis.

As autoridades portuguesas calcularam que, em 1940, mais de 38.000 estrangeiros entraram no país e cerca de 36.000 saíram de Portugal, números reveladores da curta estadia dos refugiados no país. Por outro lado, hospedaram-se em hotéis e pensões cerca de 49.000 estrangeiros, o que significa que alguns já tinham vindo para Portugal no ano anterior. Em 1941, entraram quase 42.000 estrangeiros e saíram cerca de 47.000, ou seja, muitos dos que se encontravam em Portugal anteriormente partiram por sua vez.

Os hotéis e pensões foram, nesse ano, frequentados por 51.000 estrangeiros, na maioria com nacionalidade alemã, belga, polaca, francesa, espanhola e inglesa e também alguns com passaporte holandês, grego, italiano e suíço. Só no trimestre de Junho, Julho e Agosto de 1941, segundo números da PVDE, entraram no país 11.586 e saíram 12.920 estrangeiros. Finalmente, durante o ano de 1942, entraram em Portugal cerca de 32.000 estrangeiros, um número que aumentou no ano seguinte para 41.000 mas que diminuiu para quase metade em 1944.

"Lissabon ist ausverkauft”, foi como Eugen Tillinger descreveu, em Outubro de 1940, a situação que se vivia na capital portuguesa. Segundo ele, quase não se ouvia falar português na praça do Rossio onde, pelo contrário, a panóplia de idiomas incluía o francês, inglês e alemão, além do polaco e do holandês. Os cafés e restaurantes estavam "überfüllt” e os hotéis "überkomplett” obrigando os refugiados a alugar casas do banho e a dormir em colchões estendidos nos corredores. Tillinger não deixou, no entanto de mencionar, com ironia, que somas consideráveis de moeda estrangeira eram postas a circular pelos estrangeiros "mas” que os portugueses sabiam "auch zu schätzen und sind gegenüber den Fremden von einer bezaubernden Zuvorkommenheit”.

Os donos de pensões e hotéis, os que alugavam quartos, os comerciantes das lojas e dos cafés, assim como os exportadores que, furando o bloqueio, enviavam produtos para os países ocupados e do Eixo foram os que mais lucraram com a presença dos refugiados. Em Outubro de 1939, os jornais estavam repletos de anúncios sobre pensões no centro da capital que, a partir de meados de 1940, foram substituídos por outros que propunham quartos, partes de casa e apartamentos mobilados a estrangeiros. Em 5 de Outubro desse ano, um anúncio de uma loja de Delicatessen dirigia-se expressamente a refugiados com familiares na Europa em guerra dando bem a medida como um país neutral exportava produtos de luxo para os países ocupados ou do Eixo: - "Aos Estrangeiros. «Pérola do Rossio» continua a enviar café, chocolate e cacau para Espanha, França, Polónia, Bélgica, Itália e Alemanha”.

Como se viu, a neutralidade portuguesa foi "equidistante” no campo económico quase até ao final da guerra e alguns portugueses ligados ao export-import e ao comércio lucraram com os "negócios de guerra” e beneficiaram directamente com a torrente massiva de estrangeiros que se tinham de alojar, comer e passar o tempo de espera nos cafés. Muitos aproveitaram mesmo a penúria e o desespero dos refugiados para adquirir por baixo preço haveres de que eles eram obrigados a desfazer-se para sobreviver ou para prosseguir viagem para as «Américas».

A escritora portuguesa Fernanda de Castro conta como centenas de refugiados chegavam a Vilar Formoso com casacos de peles e jóias que depois vendiam a oportunistas . Em 1 de Fevereiro de 1943, por exemplo, um anúncio no «Diário de Notícias» publicitava a venda de casacos de peles por "demoiselles católicas”, uma forma velada e cuidadosa de indicar que professavam a religião majoritária do país e de assegurar que não eram...judias! Outra portuguesa revelou que algumas casas portuguesas se encheram subitamente com tapetes persas adquiridos a preços irrisórios. Muitos anúncios nos jornais também ilustram esses oportunismos e dramas: em 6 de Abril de 1940, uma casa de leilões, dirigia-se expressamente aos estrangeiros para lhes comprar os tais "tapetes persas” e, em 11 de Novembro, um anúncio escrito em francês dizia textualmente: "Aux Réfugiés: J´Achète automobile, préférence Citroen”.

Em 1940, a situação económica ainda não se tinha deteriorado e as montras encontravam-se cheias de produtos com preços baratos, dando a Lisboa a tal imagem de "paraíso”, comparativamente à penúria das cidades europeias atingidas pela guerra. Por exemplo, um casal de velhos refugiados, descrito por Suzanne Chantal, apercebeu-se que os escassos escudos que possuía eram afinal suficientes para comprar uma dúzia dos bolos vislumbrados numa montra. No entanto, a partir de 1942, a deterioração do nível de vida dos portugueses, a falta da géneros e a carestia começaram a fazer sentir-se e alguns deles chegaram mesmo a atribuir essas dificuldades aos próprios refugiados. Suzanne Chantal ilustrou essa situação ao colocar na boca de uma portuguesa rica o seguinte diálogo com o dono de uma pastelaria: "- Não têm nada na terra deles. Vêm para cá e a vida torna-se impossível. Preços que metem medo.(...) - É sim - disse o pasteleiro - a culpa é destes estrangeiros!”

Alguns portugueses também fizeram negócio com os documentos necessários para a estadia e a partida dos refugiados. O escritor Alves Redol contou como funcionários consulares enriqueceram através da venda de vistos e de bilhetes de transporte . Efectivamente, na segunda metade de 1941, a PVDE recebeu uma queixa de um refugiado francês contra uma agência de Lisboa à qual tinha pago 56.000$00 para obter vistos e para reservar bilhetes na Wagons-lit e no navio "Serpa Pinto”, sem nada ter recebido em troca. A polícia prendeu a negociante mas acabou por libertá-la depois de ela ter devolvido um quarto do dinheiro recebido ao lesado.

Em Maio desse ano, a mesma PVDE assegurou não haver em Portugal "indústria de passaportes falsos” porque os refugiados que entravam clandestinamente ou com passaporte falso eram presos e investigados sempre que, ao sair do país, apresentassem um passaporte diferente daquele com que haviam entrado. A polícia confirmou porém a existência de um negócio de venda de bilhetes de passagens marítimas onde estavam envolvidos funcionários de companhias de navegação e propôs que só as agência de viagem já estabelecidas, entre as quais a Wagons-lits e a Cook, os vendessem.

"Ouvia-se todas as línguas”
A situação em que se encontravam os estrangeiros durante a estadia em Portugal reflectiu-se na maior ou menor disponibilidade para vislumbrar a realidade portuguesa de então. A jornalista francesa Suzanne Chantal, casada com um português e jornalista no «Diário de Notícias», preferiu mostrar a aparente prosperidade de uma cidade em construção: "Via abrirem-se estradas, construírem-se estádios. Descobria, em avenidas rasgadas de novo, a igreja mais moderna que jamais vira. Erguendo sobre a cidade a sua torre luminosa, um grande jornal (...) orgulhava-se das suas máquinas de tiragem. Edifícios dum branco nacarado agrupavam-se numa admirável perspectiva de terraços e escadarias de mármores: era a mais sumptuosa escola de ensino técnico superior de toda a Europa. - Não há dúvida, aqui há dinheiro!”.

As obras públicas, incentivadas pelo ministro Duarte Pacheco e usadas pelo governo para atenuar o desemprego e retirar das ruas os mendigos, tiveram de facto um grande incremento no início da década de quarenta. Entre 1938 e 1942, foram construídos a auto-estrada e a estrada marginal para o Estoril, bairros sociais para os inúmeros funcionários públicos, a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e os edifícios do Instituto Nacional de Estatística, da Casa da Moeda e do Instituto Superior Técnico, descrito por Suzanne Chantal.

As ligações marítimas e aéreas não foram esquecidas e, no início da década de quarenta, foram inaugurados as gares marítima e fluvial junto ao Tejo e o primeiro aeroporto comercial português. Nas páginas do «Diário de Notícias», cujo novo edifício recém construído Suzanne Chantal também descreveu, a jornalista retratou, em Dezembro de 1939, a face cosmopolita de uma cidade na qual a presença da guerra longínqua era visível nos "barcos refugiados no estuário” e no "clipper transportando os que têm medo da Europa”.

A guerra transformou Lisboa, outrora isolada, num importante centro de ligação aérea com a Europa, a África e a América. Em Dezembro de 1939, o filho do Duce, Bruno Mussolini, inaugurou a carreira da Ala Littoria que ligava Roma à América Latina através da Ilha do Sal/Cabo Verde. Em Abril do ano seguinte, a KLM, cujos aviões Douglas foram transferidos para Inglaterra depois da ocupação da Holanda, a BOAC inglesa e a LAPE espanhola iniciaram, por seu turno, as ligações com Londres e Madrid. Até à abertura do aeroporto comercial lisboeta , em 1942, os aviões dessas carreiras europeias e da Lufthansa - com ligações a Berlim, Roma, Tanger e Marselha - aterravam e descolavam na base aérea militar de Sintra, a 30 kms da capital. Em Cabo Ruivo, junto ao Tejo, movimentavam-se os hidroaviões da American Export Airlines e os apetecidos "clippers” da Pan American que ligavam Nova Iorque a Londres via Lisboa.

Cidade de trânsito junto ao mar, a capital de Portugal, apesar de viver sob um regime ditatorial, ficou com uma imagem de liberdade estreitamente associada aos meios de transporte. Nas últimas imagens do filme "Casablanca”, Humphrey Bogart despede-se de Ingrid Bergman antes de ela abandonar Marrocos num avião a caminho de Lisboa. Na estação do Rossio aonde chegavam os comboios que tinham atravessado a França ocupada e a Espanha inóspita, muitos refugiados aliviados viveram uma trégua nas perseguições de que eram alvo. No cais de embarque portuário de Alcântara, iniciava-se, por seu turno, o outro dia do resto das vidas dos que Hitler perseguia, com a partida para o exílio americano do outro lado do Atlântico.

Até à entrada da Itália, da Grécia e dos Estados Unidos na guerra, a maioria dos refugiados partiu em navios gregos, italianos e americanos. Depois, restou-lhes as embarcações portuguesas, suecas e espanholas, estas últimas desaconselhados pelas organizações de refugiados por serem "dependentes da GESTAPO”. A partir da segunda metade de 1941, o acréscimo da necessidade de transporte trouxe grandes lucros às companhias de navegação portuguesas que aumentaram a sua frota comprando nomeadamente, em 1943, vários vapores à Alemanha . Uma dessas companhias, a "Companhia Nacional de Navegação”, transportou, entre 1939 e 1945, mais de meio milhão de passageiros.

Lisboa, em cujo centro se ouvia então falar todas as línguas europeias, tornou-se uma importante placa giratória de informações, mercadorias e pessoas. Por lá passaram constantemente, sob os olhares atentos dos jornalistas, embaixadores dos países beligerantes a caminho da Europa ocupada, de Londres ou dos Estados Unidos . Deste país vinham regularmente "clippers” onde viajavam enviados especiais de Roosevelt a caminho de Londres. Por exemplo, só no ano de 1941, passaram por Portugal: em Janeiro, Wendell Wilkie com uma mensagem para Churchill; em Fevereiro, Harry Hopkins; em Março e Novembro, Averell Harrimann, administrador da lei de empréstimo americano, e, em Setembro, Myron Taylor, enviado de Roosevelt ao Vaticano.

Este último tinha sido delegado dos E.U.A. na Comissão Intergovernamental, criada na conferência de Évian com a incumbência de abrir negociações directas com as autoridades do III. Reich sobre a saída de milhares de judeus residentes em território alemão. Em 1939, propôs nomeadamente negociações para fundar um Estado israelita na colónia portuguesa de Angola onde seriam recolhidos todos os judeus perseguidos, um plano que vinha na sequência de uma velha ideia de 1912 mas que falhou, por recusa de Salazar.

Do lado do Eixo, Lisboa foi escolhida por alguns sectores para negociações de "paz separada” com os aliados ocidentais. Em Novembro de 1942, o ministro dos Estrangeiros da Itália, Ciano, sondou os ingleses através do embaixador em Portugal, Franzoni. Em Junho de 1943, o próprio Duce tentou, através do ex-embaixador italiano em Lisboa, Buova Scoppa, uma negociação separada com os aliados, seguindo a ideia de um bloco latino defendida pelo ditador romeno Antonescu . No mês seguinte, o Subsecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Bastianini, também tentou novamente uma aproximação com os aliados via Lisboa. Depois de Mussolini ter sido apeado do poder, o novo chefe do governo italiano, Badoglio, encetaria negociações com os aliados através de Portugal.

Certos sectores nacional-socialistas também tentaram entrar em acordos separados com os aliados através da capital portuguesa. Um dos casos foi o almirante Canaris que, em 26 de Maio de 1942, promoveu, em Portugal, um encontro sobre a paz . Outro caso mais curioso e terrível foi o que se prendeu com o exílio em Portugal de 32 membros da família húngara Weiss-Chorin que chegaram ao país em Junho de 1944, com vistos de entrada portugueses falsificados pela própria SS.

O acordo com a família Weiss-Chorin teria sido feito em troca de uma procuração para que as SS administrassem a holding Weiss na Hungria e da instrumentalização desses judeus para uma tentativa de negociação com os aliados, uma política encetada pelo próprio Himmler nos últimos anos da guerra. Uma das razões pelas quais a entrada dessa família húngara com vistos falsificados foi permitida pelo governo de Salazar e pela PVDE teria sido o conhecimento destes sobre a ligação entre o destino desses judeus e a estratégia de paz separada por parte das SS . Esta enquadrava-se perfeitamente no desejo de Salazar, particularmente preocupado com o peso da URSS no campo aliado, de "uma guerra sem vencedores e vencidos”.

Lisboa foi também um importante centro de troca de diplomatas, de cidadãos e de prisioneiros de guerra entre os dois campos beligerantes. Entre outros, chegaram à capital portuguesa, em 24 e 26 de Junho de 1940, respectivamente, nos navios "Monarch of Bermudas” e "Conte Rosso”, cidadãos italianos vindos da Grã-Bretanha para serem trocados pelo embaixador e cidadãos ingleses residentes na Itália. Entre 22 e 24 de Junho do ano seguinte, foi a vez de funcionários consulares dos países aliados na Alemanha serem trocados em Lisboa por alemães e italianos transportados dos EUA no navio "West Point”. Em Maio e Julho de 1942, o navio sueco "Drotningholm” e os vapores espanhóis "Cabo Horno” e "Buena Esperanza” transportaram para Lisboa diplomatas alemães da Argentina, do Brasil e da Venezuela que foram trocados por diplomatas americanos vindos num comboio especial de Berlim.

Em Abril do ano seguinte, começaram a ser trocados prisioneiros de guerra italianos e cidadãos alemães da América latina por prisioneiros ingleses e, em Agosto, foi a vez de italianos aprisionados no Yemen e Gibraltar servirem de moeda de troca com soldados britânicos presos em Itália . Em 1944, realizou-se nova troca entre soldados americanos presos na Alemanha e diplomatas e cidadãos alemães vindos, em Fevereiro, da América no navio sueco "Grisholm” que, com o "Drotningholm”, transportou novamente para Lisboa, em Julho, 420 alemães provenientes da América do Sul.

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